Família é prato difícil de preparar. São
muitos ingredientes. Reunir todos é um problema - principalmente
no Natal e no Ano-Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma
família exige coragem, devoção e paciência.
Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível.
O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.
Súbito, feito milagre, a família está servida. Já estão todos aí? Todos?
Seja quem for, não fique
aí reclamando do gênero ou do grau comparativo. Reúna
essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não
há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas?
Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais
afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também
estará cheirando a alho e a cebola. Não se envergonhe
se chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora
mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.
Mas, se misturadas com delicadeza, tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada
a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre.
Família é prato extremamente sensível. Tudo tem
de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso
ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se
decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família
perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe "Família
à Oswaldo Aranha", "Família à Rossini",
"Família à Belle Meunière" ou "Família
ao Molho Pardo" - em que o sangue é fundamental para o preparo
da iguaria. Família é afinidade, é "À
Moda da Casa". E cada casa gosta de preparar a família a
seu jeito.
Seja como for, família
é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa.
O que este veterano cozinheiro
pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja
o paladar, família é prato que você tem que experimentar
e comer. Se puder saborear, saboreie.
Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça,
no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família
é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete.
FAMÍLIA
Feliz quem tem, sabe curtir, aproveitar e valorizar... Um Natal de bons sabores (físico e metafísicos) para vocês !!!
Mari & Elisa
Trechos do livro "O Arroz de Palma" de Francisco Azevedo
Ilustrações de Norman Rockwell
Esperamos que o autor nos perdoe a liberdade de reproduzi-lo.
http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML1690805-1731,00.html